sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Salvação pelas flores - Um texto de Joel Neto

O Jornalista Joel Neto. Fonte da imagem:http://visao.sapo.pt/ .

Do  Diário de notícias de hoje, retirei este belíssimo texto da autoria do jornalista Joel Neto, a fim de o partilhar  com os amigos que habitualmente por aqui passam.

SALVAÇÃO PELAS FLORES

   Têm-nos visitado amigos. Instalam-se cá em casa, espalham-se  por residenciais, partem e voltam das outras ilhas com a Terceira como base.A certa altura já nem sei o que mostrei a cada um deles:acontece repetir-me Assinalam-mo, divertidos. Mas nunca quando lhes mostro as flores. Gostam sempre que os leve a ver as flores..
   Na Primavera abrem gladíolos e begónias, petúnias, crisântemos e glicínias. Pelos Santos desabrocham as hortênsias, cada uma da sua cor, consoante a acidez da terra que lhe tenha cabido. A seguir  florescem as buganvílias, anunciando o fim  do Estio - todos os tipos delas em cacho ou caule fora. No Outono  chegam primeiro as beladonas e depois as camélias: vermelhas, brancas, riscadas, segundo todos os tipos de padrão.. O Inverno começa pelas magnólias e extingue-se , enfim, nas azáleas - e de cada vez que um temporal, ou uma seca, ou outro sobressalto metereológico abrevia o ciclo de uma delas, logo a terra se esforça por socorrer a poesia, fazendo  acudir os hibiscos, o jasmim ou apenas os mantos infinitos de erva azeda, progredindo por quintais e cerrados como sangue exultante de desejo.
   Temos sorte: Angra foi durante séculos porto de escala para os navios vindos da Índia,  e da América, do Brasil e de África. Inflectiram-se os costumes, democratizou-se a terra e diversificou-se a botânica. Charles C. Mann explica muito bem em 1493.
   Se um dia voltar a partir, nada me fará tanta falta  como as flores. No fim, só a terra pode redimir-nos. As flores são a sua cruz, o seu escapulário e a sua guilhotina.

(Joel Neto  DN. de 07/11/2014)

Nota:
Obrigada, Joel!
O seu texto vale ouro!

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